Nos últimos três anos, houve um aumento de 30,9% no número de pessoas com saldo devedor no cartão de crédito no Brasil. Em junho de 2019, cerca de 64,7 milhões de indivíduos possuíam dívidas nessa modalidade de pagamento, em comparação com os 84,7 milhões registrados no mesmo mês de 2022, de acordo com dados divulgados pelo Banco Central (BC) na última segunda-feira (29).
O Banco Central explica que o saldo devedor é o valor da compra que ainda não foi pago, seja parcelado ou não, e sobre o qual podem incidir juros. Essas informações são parte do Boxe 3 – Perfil de Utilização de Cartões de Crédito do Relatório de Economia Bancária (REB), que será publicado pelo BC no próximo dia 6.
O aumento nos índices é atribuído à entrada de novos participantes no mercado nos últimos anos, especialmente no setor de cartões pós-pagos. Isso possibilitou que uma parcela significativa da população brasileira tivesse acesso a um ou mais cartões de crédito. Bancos digitais e instituições de pagamento aumentaram sua base de usuários em 27,6 milhões de pessoas durante o período analisado, de acordo com o BC.
E.M.A., uma mulher de 49 anos que preferiu não revelar sua identidade completa, é uma das pessoas com dívidas no cartão de crédito. Após se divorciar e morar sozinha, ela não tem certeza de quando entrou para esse grupo. Além da dívida em si, as constantes cobranças também a incomodam.
“Era na época da pandemia que comecei a acumular dívidas, não lembro exatamente o mês, pois, como muitas outras pessoas, fiquei desempregada. Desde então, tenho tentado conseguir um emprego. As contas foram se acumulando. Pago uma depois outra, e o cartão vai ficando lá, aumentando. Virou uma bola de neve”, conta ela.
Ela destaca a importância de garantir comida para seus animais de estimação, incluindo seus 16 gatos e dois cães. E.M.A. relata a frequência das ligações de cobrança, que ocorrem diariamente, e a pressão constante para resolver a situação. Ela expressa sua frustração com a situação e a dificuldade de encontrar recursos financeiros para lidar com a dívida.
De acordo com o documento do BC, em junho do ano analisado, o número total de cartões de crédito era de 190,8 milhões, quase o dobro da população economicamente ativa do Brasil na época, que era de 107,4 milhões de pessoas, segundo dados de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).
Angelo José Mont Alverne Duarte, chefe do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro (Decem) do BC, afirma que a expansão do mercado de cartões de crédito nos últimos anos é positiva do ponto de vista da inclusão financeira. No entanto, ele ressalta que esse crescimento requer maior atenção devido ao potencial de aumento do endividamento das pessoas.
Quando um cliente deixa de pagar o valor total da fatura do cartão, o valor não pago se torna uma modalidade de empréstimo conhecida como “crédito rotativo do cartão de crédito”. Essa operação possui uma das taxas de inadimplência e custo mais altas do mercado, alerta Angelo.
O BC divide os clientes com saldo devedor em diferentes instituições emissoras de cartão de crédito com base na metodologia utilizada para elaborar o relatório. Verificou-se que 54% das pessoas analisadas possuíam dívidas em apenas uma instituição, 25% em duas e 20% em três ou mais. Quanto mais vínculos, maior o limite de crédito e, consequentemente, maior o saldo médio da dívida.
O estudo também destaca o percentual de utilização do crédito rotativo e do crédito rotativo não migrado, que é o valor que permanece no sistema de crédito rotativo por mais de 30 dias, após a fatura não ter sido paga integralmente até o vencimento. Esse percentual variou entre 17% e 20% “independentemente da quantidade de vínculos dos clientes, com uma baixa migração para outras modalidades de crédito, inferior a 5%”.
Quanto ao limite de crédito, a pesquisa mostra que, à medida que o cliente adiciona mais vínculos, menor é o percentual de clientes com limite de crédito comprometido. De acordo com o BC, essa constatação indica que há uma maior margem para gastos devido aos limites oferecidos pelos cartões adicionais. O estudo também observa que os clientes com mais cartões apresentam um crescimento nos percentuais médios de consumo do limite, indicando uma maior tendência ao consumo.
Os principais bancos públicos e privados concentram a maior parte do saldo devedor, totalizando R$ 57,7 milhões, enquanto as instituições bancárias digitais foram o grupo que apresentou o maior crescimento no saldo devedor, com um aumento de 292,3%, revela o estudo.
Os bancos ligados a empresas varejistas, que emitem cartões vinculados às suas redes de lojas, apresentaram o maior percentual de endividamento, variando de 39% a 57%. Isso está em linha com o perfil de atuação desse grupo, que comumente realiza empréstimos pessoais com pagamento das parcelas na fatura do cartão. Por outro lado, os bancos cooperativos e cooperativas singulares apresentaram um percentual de utilização de cartão em modalidades sujeitas a juros bem menor do que os demais grupos, conclui o BC.
No caso de E.M.A., ela conseguiu um novo emprego como operadora de telemarketing em Santo André, onde mora. Embora o salário não seja alto, tem ajudado a cuidar de seus animais de estimação e a quitar suas dívidas. Recentemente, recebeu uma notificação de uma agência de cobrança e está conseguindo regularizar sua situação financeira.